
Partir, Voltar e Repartir: Escrevivências e saberes no Círculo Epistêmico Afrocentrado (CeAfro)
“Viver é partir, voltar e repartir”, diz o trecho da canção É tudo pra ontem, do rapper Emicida. Partimos de diversos lugares e direções ao longo da vida. E, nesses intercruzos, chegamos ao MafroEduc Olúkó- Grupo de Estudos sobre Educação Afrocentrada, denominado carinhosamente por suas/seus integrantes de quilombo acadêmico.
A porta de entrada, para a maioria dos membros do grupo, é um CeAfro- Círculo Epistêmico Afrocentrado que acontece semestralmente no MafroEduc, guiado por estudos de pensadores negros que trazem em suas epistemologias a contribuição sociocultural, econômica, ciêntifica e etc, africana, afro-brasileira e/ou afrodiaspórica.
Os CeAfros são espaços de partilha, reflexão e compartilhamento de vivências e escrevivências (Evaristo, 2020) afrodescendentes, de projetos que não são somente escrita em si, porque não se esgotam no próprio sujeito. Mas carregam a vivência da coletividade, como preconiza Conceição Evaristo.
Assim, os CeAfros se consolidam como espaços que ultrapassam o estudo acadêmico, constituindo-se também em lugares de pertencimento, fortalecimento, afeto e cuidado (Sousa, Rodrigues e Machado, 2025), vivenciados entre e com os nossos.
Falar desse início, dessa partida e da chegada nesse ambiente é importante para entendermos o papel dos CeAfros. Quando chegamos a esse espaço, trazemos muitas bagagens intelectuais, de saberes, de enfrentamentos, de dores e de curas que acreditávamos ser individuais. Carregávamos essas bagagens, muitas vezes, sozinhas/os. Suportávamos pesos!
Nos CeAfros, e para muitas/os de nós pela primeira vez, entendemos que essas bagagens não são meramente individuais: muitas nos foram impostas por um sistema colonial e racista cruel; outras são heranças ancestrais, cheias de signos, responsabilidades, potencialidades e também de leveza! Fortificadas pelo plantio dos nossos antepassados, essas sementes germinam em nós por meio de nossas pesquisas.
Sobre nossos estudos e pesquisas nos círculos, Sousa, Rodrigues e Machado (2025, p. 6) afirmam:
“[...] partimos de nossas localizações epistêmicas, situadas na Améfrica Ladina (González, 2020), inspiramo-nos em cosmo-percepções africanas, como a pedagogia ubuntuísta (Sousa, 2023), que nos estimulam à desobediência epistêmica (Mignolo, 2017).”
Os CeAfros, desde o planejamento, são construídos coletivamente. A cada encontro, uma/um participante conduz a partilha de estudos, projetos e reflexões sobre os textos propostos. Assim, “conseguimos articular nossas histórias, nossas narrativas, num processo contínuo e coletivo de ensinar/aprender, dialogicamente, em comunidade. ” (Sousa, Rodrigues e Machado, 2025, p. 8).
Tivemos que retornar a muitos caminhos, voltar ... para compreender esses processos. Contudo, nesse retorno já não havia mais tanto peso, pois a partilha dos estudos, que tantas vezes refletem vivências, é repartida entre várias/os. Assim, não se trata mais de suportar, mas de (re)existir juntas/os. É sobre “se” e “nos” compreender nesses processos, sobre “se” e “nos” transformar de sujeitos em Agentes (Asante, 2009) amefricanos (González, 2020).
Nesse sentido da afrocentricidade (Asante, 2009), o compartilhamento de dores, subjetividades, experiências, afeto e cura se constitui como impulso de luta por uma educação afrocentrada e antirracista, rompendo com a unilateralidade ocidentalizada presente, estruturalmente, na educação formal brasileira. Voltamo-nos, assim, para as salas de aula da graduação, para as comunidades quilombolas, para as oficinas e cursos de formação docente e para nossas comunidades de origem sempre com afeto e em um ciclo contínuo de ensinar/aprender e aprender/ensinar (Sousa, Rodrigues e Machado, 2025).
Pois, como diz o cantor citado no início deste texto: “Jamais volte para sua quebrada de mão e de mente vazia”.
REFERÊNCIAS
ASANTE, Molefi Kete (comp.). Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin (org.). Afrocentracidade: uma abordagem epistemológica inovadora. São Paulo: Abdr, 2009. p. 93-111.
EVARISTO, Conceição. A escrevivências e seus subtextos. In: DUARTE, Constância Lima; NUNES, Isabella Rosado (org.). Escrevivência: escrita de nós: reflexões sobre a obra de conceição evaristo. Sp: Mina, 2020. p. 26-48.
GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Organização: Flavia Rios e Márcia Lima. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
SOUSA, Soraia Lima Ribeiro de; RODRIGUES, Fernanda Lopes; MACHADO, Raimunda Nonata Silva. Afroafetos na formação docente: (auto)narrativas de cuidado ontoepitêmico no mafroeduc olúkó. Debates em Educação, Alagoas, v. 17, n. 39, p. 1-16, 10 jun. 2025.
PARA ENTENDER MAIS SOBRE O CEAFRO E SOBRE O GRUPO MAFROEDUC LEIA:
MACHADO, Raimunda Nonata Silva; SOUSA, Soraia Lima Ribeiro de. MafroEduc Olùkọ́ e a Formação Docente Afrocentrada – lugar de esperançar. Revista Espaço do Currículo, João Pessoa, v. 15, n. 1, p.1-14, jan/abr. 2022.
Disponível em:
https://periodicos.ufpb.br/index.php/rec/article/view/62866/37761
SOUSA, Soraia Lima Ribeiro de; RODRIGUES, Fernanda Lopes; MACHADO, Raimunda Nonata Silva. Afroafetos na formação docente: (auto)narrativas de cuidado ontoepitêmico no mafroeduc olúkó. Debates em Educação, Alagoas, v. 17, n. 39, p. 1-16, 10 jun. 2025.
Disponível em:
https://www.seer.ufal.br/index.php/debateseducacao/article/view/18932